Cotidiano
COTIDIANO por Matilde Leone - Jornalista e escritora
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LIÇÕES DE LEITURA: Mudar de ideia, ser incoerente pode ser libertador, mas para isso, é preciso estar sujeito às críticas, ao isolamento por parte de alguns. É preciso arriscar.
Vários livros que li falam de solidão, mas nenhum deles me marcou tanto como o Deserto dos Tártaros, do italiano Dino Buzzati. Nem mesmo Cem Anos de Solidão do premiadíssimo Gabriel Garcia Marques, porque no Deserto, a solidão vem acrescida da ilusão de que algo importante vai acontecer para justificar a entrega de sua juventude e de toda sua vida a um propósito.
O jovem oficial Giovani Drogo é destacado pela Escola Militar para proteger o Forte Bastiani de um possível ataque do povo tártaro à fortaleza que faz divisa com o deserto.
O livro foi publicado em 1940 - virou um filme de arte- mas sua mensagem acompanha o tempo porque sentimentos e anseios são universais e atemporais. O que muda é o cenário. Não vou me alongar sobre a história porque o livro é apenas uma referência a situações que muitas vezes nos deparamos em nosso caminhar. Vivemos uma esperança constante do porvir, a ansiedade do que será o amanhã, que não lembramos de viver o hoje, de nos entregar às coisas simples, de perceber nosso redor, buscar nossos sonhos e amar as pessoas que nos amam.
E, principalmente, de agradecer à vida e estarmos alertas para as ciladas, pois muitas vezes boicotamos a nós mesmos por não confiar em nossa intuição.
Criamos uma fortaleza fictícia, na esperança de que nada pode abalar nossas convicções. Uma fortaleza de isopor. E por cultivarmos a soberba de nos fechar em uma decisão que, mesmo depois de avaliada, sabemos, no fundo não ter sido a melhor e não mudar de ideia. Mudar de ideia, ser incoerente pode ser libertador, mas para isso, é preciso estar sujeito às críticas, ao isolamento por parte de alguns. É preciso arriscar. Mas, convenhamos: quem não é capaz de compreender que o bom senso e a humildade são atos de coragem e não de covardia, bem... deve estar preso no mesmo deserto esperando pela vida, quando a vida passa sem ninguém ver.
A propósito, vale a pena perder algumas horas lendo O Deserto dos Tártaros. Certamente, não será uma perda, mas um ganho.