VAMOS TIRAR OS SAPATOS?

“O que é retirar os sapatos? O sapato representa o que está amoldado a nosso pé, é a forma que acompanha nosso feitio, nossos calos” (Oiev Israel)

O Departamento de Mediação de Conflitos da Universidade de Harvard convidou 23 pessoas de identidades bem distintas, de orientação cultural, religiosa e nacionalidade, para percorrer uma grande parte do Oriente Médio, no projeto “O Caminho de Abraão”, em 2006.

Um convite inusitado. Cristãos, muçulmanos e judeus, que talvez nunca tivessem chance de se encontrar ou conviver em outra situação. Bem, isso já lembra conflito, pois dependendo do lugar onde paravam, não encontravam suas ancestralidades, tudo parecia estranho e hostil.

Um dos convidados, o rabino brasileiro Nilton Bonder, depois de passar pela aventura dessa peregrinação ímpar, escreveu o livro “Tirando os Sapatos”. Uma metáfora. Ele viu no ato de tirar os sapatos uma relação entre a sola e o solo no caminho cheio de surpresas e autoconhecimento, cada um cruzando suas próprias fronteiras.

Nessa jornada, descalçar os sapatos que nos protegem, pode ser o momento certo para perceber como a tolerância nos ajuda a nos livrar dos preconceitos que nos separam; para nos igualar sentir que na viagem interior o importante é o trajeto e não a chegada.

E, pensando nessa odisséia de cristãos, muçulmanos e judeus me veio à mente o quanto pensamos estar protegidos nas redes sociais para exteriorizar ódio, arrogância e preconceito.

Pensei, ainda, o quanto seria confortável e benéfico tirar os sapatos que nos moldam, deixar cair os escudos que escondem a intolerância, a falsa liberdade de expressão, seja no campo político, social, racial e sexual.

Nilton Bonder nos mostra que podemos nos despir dessa pseudoproteção sem perder nada, nem um pouquinho da nossa identidade, sendo hospitaleiros com as crenças, os sonhos, a fé e os desejos alheios.

COTIDIANO por Matilde Leone Jornalista e escritora matildeleone@hotmail.com • (16) 99216.2276